José María SALVADOR GONZÁLEZ1
Matheus Corassa da SILVA2
* Se precisar citar, tê-lo como referência, seguir:
SALVADOR GONZÁLEZ, José María; SILVA, Matheus Corassa da. Apresentação. In: DANTAS, Bárbara. The architecture in the Cantigas de Santa Maria. Mirabilia Ars 6 (2017/1). Special Edition. Monography Study. Jan-Jun 2017/ISSN 1676-5818, p. 4-200. Disponível em: https://www.revistamirabilia.com/sites/default/files/ars/pdfs/mirars6.pdf e https://www.barbaradantas.com/post/apresenta%C3%A7%C3%A3o-a-arquitetura-nas-cantigas-de-santa-maria
Esta edição traz ares de novidade para Mirabilia Ars. Pela primeira vez, publicamos um número temático, inteiramente dedicado a um trabalho monográfico. Trata-se da pesquisa desenvolvida por Bárbara Dantas, intitulada A Arquitetura nas Cantigas de Santa Maria. Em suas quase 200 páginas – um intento de fôlego, não resta dúvida – a autora desenvolve um estudo acerca dos elementos arquitetônicos presentes nas iluminuras dos códices das Cantigas de Santa Maria, atribuídas ao rei de Leão e Castela Afonso X, o Sábio (1221-1284).
As Cantigas formam um conjunto de cerca de 420 composições musicais escritas em galego-português em honra à Virgem Maria. De natureza trovadoresca e paralitúrgica, distanciavam-se tanto da música sacra standard do século XIII quanto das temáticas nomeadamente profanas dos trovadores. Em suma, constituíram um dos cancioneiros mais importantes da literatura medieval do Ocidente. Além disso, o esmero em ilustrar esses manuscritos fez deles destacáveis fontes para nos aproximarmos da cultura visual daqueles tempos. Ao iluminarem os textos, essas imagens não só os complementam, mas fazem-nos transcender simbolicamente.
Dantas é muito clara, desde o princípio, quanto ao que baseia sua pesquisa: o trabalho diligente com as fontes e a interdisciplinaridade. Munida do feeling de historiadora, ela teve a oportunidade de consultar os fac-símiles de dois códices das Cantigas (o Rico e o de Florença) abrigados na Biblioteca Central da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), além do cuidado de apresentar ao leitor uma fonte primária que é multifacetada ao articular a Literatura, a Música e a Arte. Um microcosmo cultural que é tão complexo e belo como o próprio mundo medieval.
Fundamentada em dois pilares metodológicos de grosso calibre, a união texto-imagem defendida por Umberto Eco (1932- ) em suas Histórias da Beleza e da Feiúra e a interpretação iconográfica de Erwin Panofsky (1892-1968), a autora propõe um estudo inédito das Cantigas e de suas iluminuras: parte da análise das representações imagéticas dos elementos e formas arquitetônicas presentes e da tradução (para o português moderno) e identificação dos extratos textuais que também os mencionem. Trata-se de um trabalho de História da Arte em que as imagens são os objetos principais, mas que não perde de vista a necessidade de contextualizá-las historicamente e de promover esse entrelaçamento entre âmbitos tão próximos, e às vezes infelizmente tão distantes, como o são a História e a Arte.
Conforme o leitor verá, o texto está dividido em três itens. Na Introdução, a pesquisadora delimita sua abordagem e esboça os referenciais teórico-metodológicos e artísticos que balizam suas reflexões. Em meio a essa verdadeira vastidão de conceitos que pululam e se multiplicam na Academia dia a dia, definir é sempre necessário.
No item As Cantigas e seu tempo, procede-se com a crônica dos eventos relacionados ao entorno histórico-cultural das Cantigas. Na mira da autora estão os processos e acontecimentos do longo século XIII, projetados sobre um dos recantos mais peculiares da Cristandade medieval, a Península Ibérica. Mais que contextualizar o período, a narrativa se debruça também sobre os lugares, personagens e influências artísticas, filosóficas e teológicas que, no decorrer da Antiguidade e da Idade Média, tornaram-se a base para a produção do códice afonsino.
O item Arquitetura nas Cantigas de Santa Maria, constitui o cerne do texto. A partir do levantamento realizado nos textos das mais de 420 cantigas, a autora seleciona dezesseis canções em que elementos arquitetônicos são citados. Ao partir de sua proposta relacional texto-imagem, ela destaca o paralelo entre cada um dos extratos textuais que fazem referências à Arquitetura com a representação imagética da forma arquitetônica na sua iluminura correspondente.
O paralelo entre a linguagem e a visualidade, contudo, não ocorre de forma continuada e homogênea. Por vezes, algumas análises dão maior ênfase ao texto; outras, às iluminuras. Fato é que, na maioria das cantigas selecionadas, os estudos se debruçam sobre as similitudes entre o que é comunicado tanto por palavras quanto pela representação de lugares, pessoas e construções.
Num trabalho de fôlego, Dantas apresenta, em cada análise, diversos conceitos da arquitetura medieval e suas conexões, por exemplo, com o passado greco-romano e com a arte árabe. Das formas remanescentes da Antiguidade tardia à convivência e ao cruzamento entre as estéticas românica, gótica e muçulmana; das peculiaridades formais da Arquitetura ao entrelaçamento entre ela e as demais manifestações artísticas, particularmente a pintura e a escultura; dos elementos simbólicos à abordagem das técnicas e materiais, importantes detalhes contextuais que ajudam a esclarecer, entre outros aspectos, determinadas escolhas estético-formais e suas influências intelectuais. Brinda-nos, ainda, com traduções inéditas, feitas em parceria com o medievalista Ricardo da Costa,3 das dezesseis canções galego-portuguesas analisadas no trabalho.
Se um dos objetivos iniciais do trabalho foi evidenciar que os artífices do códice de Afonso X elegeram a Arquitetura como a expressão artística e religiosa do Gótico e do culto mariano, em sua Conclusão a autora avança um pouco mais nesta hipótese: sugere que as Cantigas são uma exuberante homenagem aos anônimos artífices que trabalharam com a pedra e o cal.
Eis o que oferecemos ao leitor desta edição especial de Mirabilia Ars: um texto marcado pela erudição e pela acessibilidade a todos os que queiram se aventurar por esse universo de possibilidades representado pelas Cantigas de Santa Maria.
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Notas:
1 Profesor de Historia del Arte Medieval en el Departamento de Historia del Arte I (Medieval) de la Universidad Complutense de Madrid (UCM). E-mail: jmsalvad@ucm.es.
2 Professor contratado de História da Arte no Departamento de Teoria da Arte e Música (DTAM) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). E-mail: matheuscorassa@gmail.com.
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