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“Figure des Brifilians”: alegoria e utopia


Bárbara Dantas

Luiz Cláudio M. Ribeiro


Se quiser citar, tê-lo como referência, usar:

DANTAS, Bárbara; RIBEIRO, Luiz Cláudio M. “Figure de brifilians”: alegoria e utopia. In: COSTA, Ricardo da (org.). Mirabilia Journal 36. Rhythms, expressions, and representations of the body. From the Ancient World to the Baroque, 2023/1, p. 371-402. Disponível em: https://www.revistamirabilia.com/issues/mirabilia-journal-36-2023-1/article/figure-des-brifilians-allegory-and-utopia e https://www.barbaradantas.com/post/figure-des-brifilians-alegoria-e-utopia


RESUMO: As Américas foram uma amostra de um novo modo de vida, o dos ameríndios. Desde o século XVI, os franceses já conheciam a América portuguesa e chamavam seus habitantes nativos de “brifilians”, ou seja, brasileiros. Esses índios despertavam curiosidade, eram a prova viva dos seres que habitavam terras exóticas e ricas, lugares que, para os europeus, estavam prontos para serem conquistados e explorados. Considerando a função de entreter e instruir vinculada aos artistas como filósofos políticos, este artigo apresenta a relação entre imagem e texto através da visão de quatro filósofos europeus − John Locke, Michel de Montaigne, Denis Diderot e Jean-Jacques Rousseau − sobre a América e seus habitantes, olhos vendados por suas próprias concepções e preconceitos, mas dispostos a entender o Novo Mundo. Seja na filosofia ou nas artes plásticas, o meio utilizado para representar esse lugar exótico - e, portanto, estranho - foi a alegoria.


PALAVRAS-CHAVE: Alegoria − Ameríndio − Michel de Montaigne − John Locke − Denis Diderot − Jean-Jacques Rousseau.


ABSTRACT: The Americas were proof of a new way of life, that of the Amerindians. Since the 16th century, the French already knew Portuguese America and called its native inhabitants “brifilians”, that is, Brazilians. These Indians aroused curiosity, they were living proof of the beings that inhabited exotic and rich lands, places that, for Europeans, were ready to be conquered and explored. According to the function of entertaining and instructing linked to artists as political philosophers, this article presents the relationship between image and text through the vision of four European philosophers − John Locke, Michel de Montaigne, Denis Diderot and Jean-Jacques Rousseau − about America and its inhabitants, eyes covered by their own conceptions and prejudices, but willing to understand the New World. Whether in philosophy or visual art, the medium used to represent this exotic place − therefore strange − was the allegory.


KEYWORDS: Allegory − Amerindian − Michel de Montaigne − John Locke − Denis Diderot − Jean-Jacques Rousseau.


RESUMEN: Las Américas fueron muestra de una nueva forma de vida, la de los amerindios. Desde el siglo XVI, los franceses ya conocían la América portuguesa y llamaron a sus habitantes nativos “brifilians”, es decir, brasileños. Estos indios despertaban la curiosidad, eran la prueba viviente de los seres que habitaban tierras exóticas y ricas, lugares que, para los europeos, estaban listos para ser conquistados y explorados. Atendiendo a la función de entretener e instruir ligada a los artistas como filósofos políticos, este artículo presenta la relación entre imagen y texto a través de la visión de cuatro filósofos europeos − John Locke, Michel de Montaigne, Denis Diderot y Jean-Jacques Rousseau − sobre América y sus habitantes, ojos tapados por sus propias concepciones y prejuicios, pero dispuestos a comprender el Nuevo Mundo. Ya sea en la filosofía o en las artes visuales, el medio utilizado para representar este exótico lugar - y por tanto extraño - fue la alegoría.


PALABRAS-CLAVE: Alegoría − Amerindio − Michel de Montaigne − John Locke − Denis Diderot − Jean-Jacques Rousseau.


Introdução


Enquanto os estados nacionais da Europa se desenvolviam e as artes encontravam mil maneiras de representar um mundo cada vez mais amplo, as colônias europeias em outros continentes forneciam as riquezas necessárias à civilização que os europeus criaram.


O contato entre europeus e ameríndios sugere a relação entre o dominante e o submetido. Porém, não é tão simples, visto que o historiador norte-americano Moses Finley (1912-1986) ressalta que as alternativas rígidas entorpecem toda investigação crítica.[1] De acordo com essa perspectiva, comecemos da forma como ensina Michel de Certeau (1925-1986): compreender que submeter-se não é o mesmo que aceitar, ademais, fraqueza nunca impediu ninguém de ser astuto.[2] Se invertermos a ótica para o que domina, submeter [alguém] implica em jamais ter sido aceito [por este alguém]. Nesse caso, implica submeter pela coerção.


Michel de Montaigne (século XVI), John Locke (século XVII) e Jean-Jacques Rousseau (século XVIII) buscaram na cultura greco-romana analogias com o tempo presente para embasar suas críticas contra os males do tipo de sociedade criado pelos europeus. O que esses filósofos conheciam sobre as Américas favoreceu grande parte de suas reflexões. Enquanto eles se voltavam ora para o passado greco-romano ora para o presente e o futuro no Novo Mundo, a visão europeia acerca do outro tardou a se modificar e as conquistas dos Sete Mares continuavam.


I. A estultícia: As índias orientais e as Índias ocidentais


A Imagem 1 mostra um personagem masculino de perfil. Ele tem ancas largas e uma barriga proeminente; veste uma túnica que, nas barras inferiores, parece feita com as penas da cauda de uma grande ave; a cabeça está ornamentada com uma coroa formada por outras penas e predarias; um cinto em forma de trança contorna sua cintura, prende a túnica e suporta duas esferas – parecidas com um tipo de arma de arremesso para caça de animais. Aliado ao conjunto iconográfico em tudo sugestivo, o personagem ergue uma grande clava, sugerindo que se trata do estereótipo visual criado em torno do homem selvagem.


O título da figura pintada por Giotto di Bondoni (?-1337), Stultitia, é a nossa estultícia, sinônimo de imbecilidade ou de insensatez. O homem estulto é bobo, burro e até louco; pouco diferente do incivilizado, que carrega a marca do rude, inculto e indelicado. Nesse viés, o sociólogo alemão Norbert Elias (1897-1990) afirmou que bárbaro era sinônimo de “incivilizado”[3], o que é comparável ao significado da estultícia. Além disso, a estultícia é selvagem, ou seja, bravia, indomesticável e perversa.[4]


A arte era o melhor veículo para a transmissão de ideias, dogmas, valores éticos, mitos e sentimentos coletivos. Ademais, no tocante ao suporte desses conteúdos visuais destinados a uma sociedade pouco letrada, as obras instaladas à vista de todos nos santuários – como o afresco de Giotto – tinham como objetivo “transmitir uma mensagem” – nesse caso, a correlação entre o homem selvagem e a estultícia.[5]


Imagem 1

Giotto di Bondoni. Stultitia, 120 x 55 cm, parte do conjunto de personificações alegóricas intitulado As Virtudes e os Vícios, afresco, 1304-1306. Cappella degli Scrovegni, Pádua-Itália. 2023.


Embora o afresco tenha sido redescoberto apenas em 1881 sob a pintura caiada das paredes da Capela degli Scrovegni, na cidade italiana de Pádua, seu significado para a mentalidade coletiva da época de sua produção – o século XIV – é sugestivo, pois reflete a imagem de uma ideia que parece antiga.


Os contemporâneos de Giotto não conheceram os ameríndios, visto que as Américas só foram localizadas pelos europeus quase dois séculos depois. Mas a semelhança das vestes e dos adereços com as dos índios americanos é intrigante.


Giotto é considerado o primeiro artista europeu a propor um fazer artístico inovador, distinto dos cânones figurativos medievais, ao lançar mão, por exemplo, da representação da emoção e da técnica da perspectiva. Na Imagem 1, por exemplo, o personagem está envolvido por uma moldura que encaminha nosso olhar para certa ilusão de profundidade, realizada pelo pintor pela técnica da perspectiva rebatida, a gênese da perspectiva na pintura moderna, que era inovadora naquele momento. Além de importante figura para a Arte, Giotto foi um dos personagens históricos que, entre os séculos XIV e XV, marcou os limites entre duas eras, a medieval e a moderna, por vezes, cingindo o costume com a inovação.[6]


Na época de Giotto, eram já bem conhecidos alguns povos que tinham aparência e ethos culturais diferentes, os quais viviam nas margens do que ficou conhecido como a “Cristandade, o conjunto dos territórios cristãos do Ocidente europeu”. Estabelecida desde o século XI por bula papal, a partir do século XV, a Cristandade começou a ser mais reconhecida como a Europa, embora esse termo tivesse uso corrente desde a Antiguidade.[7]


Ademais, Giotto era italiano, ou seja, fazia parte da região europeia que mais enviou pessoas a outras terras, desde a Antiguidade. Os italianos só perderam essa hegemonia quando os portugueses chegaram com suas naus no litoral africano e na Índia, a partir das décadas finais do século XV. Além disso, após tomarem Constantinopla em 1453, os turcos otomanos impuseram crescentes dificuldades ao comércio entre o Ocidente e o Oriente, fosse por terra ou por mar, minando as atividades dos mercadores genoveses e venezianos.[8]


Os “descobrimentos” da Modernidade foram a continuação e ampliação das viagens que os normandos e italianos empreenderam durante toda a Idade Média em direção ao Leste e ao Sul da Europa. Por isso, é provável que Giotto tenha escutado os “relatos maravilhosos” sobre terras distantes repletas de todo tipo de riquezas e de seres estranhos – reminiscência tardo-medieval e moderna descendente do conceito de maravilhoso (mirabilia, em latim) ligado ao pensamento corrente a respeito de monstros que habitavam terras insólitas. A exemplo da utopia em torno do “Império de Preste João”, lugar mítico onde havia animais fantásticos, toda espécie de riqueza e fartura de alimentos.[9]


O contato com outros povos, cuja estreita relação com a natureza, além de utilizarem formas de organização sociopolítica e de crença religiosa fora dos padrões comumente aceitos pelas sociedades do Ocidente europeu, motivaram o preconceito e a cobiça. A esse respeito, o historiador brasileiro Afonso Arinos de Melo Franco (1905-1990) indica a forma como os europeus viam essas terras longínquas e seus habitantes: “[...] esses homens, que mal mereciam este nome, porque eram mais animais do que humanos, uma vez que não eram criados à imagem de Deus, os quais habitavam terras prodigiosas de extensão e de riqueza, cuja existência era, também, entrevista em sonhos de conquista e de glória”[10].


O historiador se refere ao milenar conhecimento da Ásia entre os europeus, pois o comércio com a Índia era feito desde a Antiguidade. Por isso, quando Cristóvão Colombo (1451-1506) aportou na América, achou que havia chegado à Índia. Logo, o novo continente ficou conhecido, inicialmente, como Índia, e os seus habitantes como índios. Entre outras denominações, no decorrer do século XVI, a América era chamada de Índia Ocidental, em oposição à conhecida Índia Oriental, a Ásia.[11]


Os habitantes do Novo Mundo – as Américas – tornaram-se a versão moderna do imaginário medieval em torno de “figuras ignotas” que habitavam terras distantes – como a Índia –, ou viviam em “terras não sabidas” – como a América.


Desde 1500, centenas de relatos legaram testemunhos e opiniões acerca dos povos nativos que viviam nas Américas. Em relação ao território hoje ocupado pelo Brasil, estima-se que em torno de 2,43 milhões de ameríndios existiam naquela centúria.[12] Desde a chegada dos europeus, o que mais ocorreu foi a gradual dizimação de grande parte daquelas etnias nativas.[13] A mortandade indígena começou quando os estrangeiros trouxeram à América as suas próprias doenças (gripe, disenteria, lepra, sarampo, tifo, varíola etc.), os patógenos invisíveis devastadores dos povos do Novo Mundo.[14]


Paralelo ao ceifar de vidas silvestres, as primeiras promessas de amizade e as trocas amigáveis de produtos entre índios e europeus logo se transformaram em jogos de poder, nos quais, apesar das frequentes escaramuças de grupos indígenas contra povoados e fortes europeus, os invasores venceram e, por isso, escravizaram, dizimaram ou segregaram os índios insubmissos.[15] Nesse aspecto, Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) sustentou que “[...] aqueles que não perecem, vítimas das armas e das moléstias trazidas pelo conquistador, vão procurar refúgio no sertão distante”[16].


Conhecidos na França, desde o século XVI, como veremos adiante, os habitantes da América portuguesa foram chamados de “brifilians”, ou “brissilians”, de acordo com a transcrição da palavra escrita em francês antigo, a qual significa, para nós, “brasileiros”. A forma estereotipada de vê-los, para o bem ou para o mal, manteve-se por toda modernidade. Na Europa, uma ideia do índio como o “bom selvagem” motivou a teoria humanista do francês Michel de Montaigne (1533-1592), ganhou a atenção do inglês John Locke (1632-1704) e influenciou a utopia do suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).


II. O dominante e o submetido: John Locke


No tocante à conquista e colonização do Novo Mundo pelos europeus, nem tudo foi destruição e morte. Se acordos e consentimentos nasceram entre ameríndios e espanhóis, ainda que originados pela força do arcabuz, o mesmo ocorreu com os outros europeus que tiveram contato direto com os índios da América. Ao indivíduo submetido aceitar não é consentir, e quase nada impediu os ameríndios de subverterem as normas do conquistador para melhorar sua própria condição.[17] Em razão disso, alguns índios brasileiros aceitaram e até pediram para embarcar nos navios que voltavam para a Europa, visto que imaginavam ir “para uma espécie de paraíso”[18].


Ainda em 1551, já era comum ver índios brasileiros nas principais cidades europeias, como veremos posteriormente no caso de Rouen, uma cidade da França. Por ora, mostramos que John Locke utilizou a metáfora como instrumento da escrita filosófica. O filósofo inglês, que era defensor da liberdade dos indivíduos, apreendeu os meandros entre o dominante e o subjugado, um embate de contrários apresentado por meio da metáfora que revela a lembrança de um mito grego:


Quem não admiraria o tratado de paz que os poderosos concluem com os humildes quando o carneiro, sem resistência, ofereceu sua garganta ao lobo imperioso para que este a dilacerasse? O antro de Polifemo nos fornece um perfeito padrão de tal governo, em que Ulisses e seus companheiros não têm nada mais a fazer senão se deixar devorarem sem reclamar. E sem dúvida, Ulisses, que era um homem prudente, recomendou a seus companheiros obediência passiva e os exortou a se submeter em silêncio, expondo-lhes a importância da paz para a humanidade e mostrando-lhes as inconveniências a que se arriscariam se oferecessem resistência a Polifemo, que agora detinha o poder sobre eles.[19]


***


Who would not think it an admirable peace betwixt the mighty and the mean, when the lamb, without resistance, yielded his throat to be torn by the imperious wolf? Polyphemus’s den gives us a perfect pattern of such a peace. Such a government wherein Ulysses and his companions had nothing to do but quietly to suffer themselves to be devoured. And no doubt Ulysses, who was a prudent man, preached up passive obedience, and exhorted them to a quiet submission by representing to them of what concernment peace was to mankind, and by showing [what] inconveniencies might happen if they should offer to resist Polyphemus, who had now the power over them (no original).[20]


O que o filósofo inglês não conta é o desenlace da situação. Como Locke e outros filósofos buscavam na cultura greco-romana analogias com o tempo presente para embasar suas perspectivas, seguimos aquela torrente clássica e relembramos um dos episódios da obra de Homero (c. 928-898 a.C.). Nela, Ulisses – nome romano de Odisseu (Οδυσσεύς) – foi protagonista da Odisseia, relato poético do regresso para Ítaca do herói da Guerra de Tróia durante os dez longos anos em que, junto a seu valoroso grupo, singrou o Mar Mediterrâneo e viveu muitas aventuras até chegar à tão desejada ilha, sua terra natal.[21]


Ulisses e seus companheiros se viram em apuros, mais uma vez, ao aportar na terra dos ciclopes: gigantes de apenas um olho que viviam em cavernas e se alimentavam de produtos naturais e dos rebanhos que criavam, pois eram pastores. Ulisses desembarcou na ilha com alguns de seus companheiros à procura de provisões e portando apenas uma jarra de vinho para utilizar como troca. Porém, ao entrarem em uma caverna que parecia vazia, foram aprisionados por um dos gigantes de um olho só, que se chamava Polifemo.


Locke já contou que o grupo correu grande perigo, mas eles resolveram esperar o momento propício para tentar fugir. Esta ocasião surgiu quando Ulisses ofereceu seu vinho a Polifemo que, admirado com a bebida, embriagou-se e dormiu. Ulisses e seus colegas, então, atacaram-no e conseguiram fugir.[22]


A filosofia sempre teve o costume de utilizar em seus escritos metáforas para apresentar suas ideias. Essas metáforas são utilizadas para prender a atenção do leitor pelo entretenimento e, desse modo, promover a sua instrução. Diante disso, Locke utilizou o exemplo de Ulisses em sua Odisseia para instruir e entreter seu leitor a respeito das formas para se opor a um poder despótico: com paciência e astúcia.


Ao lado da Ilíada, obra predecessora à Odisseia, os dois textos homéricos foram a base sobre a qual a cultura grega nasceu, fortificou-se e debelou o tempo chegando até nossos dias com um raro vigor.[23] Se os mitos existem, é por um bom motivo. Nesse viés, para Jean-Jacques Rousseau,


...em geral, a parte mais instrutiva dos anais dos povos, que é a história de seu estabelecimento, é a que mais nos falta” [grifo nosso].[24]


***


...en général la partie la plus instructive des annales des peuples, qui est lʼhistoire de leur établissement, est celle qui nous manque le plus (no original).[25]


Ou seja, para o filósofo suíço, os mitos de origem preenchem as lacunas da História.


Além de instruir, os mitos entretêm. Contando as origens e os primeiros tempos dos gregos e dos romanos, muitas dessas histórias mitológicas chegaram à modernidade como os fundamentos sobre os quais grande parte das expressões humanas de então – políticas, filosóficas, artísticas etc. – basearam-se para instruir e/ou entreter: “Toda a antiguidade clássica está cheia desses entes masculinos e femininos, repulsivos ou admiráveis”[26]. Essas ideias foram a base tanto de mitos de origem quanto de utopias, entre as quais a América se tornou local privilegiado para o estabelecimento de um mundo voltado à saudável e igualitária relação social, bem como ao melhor convívio do homem com a natureza circundante.


Apesar de não ter conhecido o Novo Mundo, nem discernir a qual parte do continente se refere, Locke imaginou nas “florestas selvagens e nas terras incultas da América” o lar de “várias nações”.[27] Esses povos podiam compartilhar


Um estado em que eles sejam absolutamente livres para decidir suas ações, dispor de seus bens e de suas pessoas como bem entenderem, dentro dos limites do direito natural, sem pedir a autorização de nenhum outro homem nem depender de sua vontade.[28]


***


A state also of equality, wherein all the power and jurisdiction is reciprocal, no one having more than another, there being nothing more evident than that creatures of the same species and rank [...] without subordination or subjection (no original).[29]


Adiante, Locke acrescenta:


Aqueles que detêm o poder supremo de fazer leis na Inglaterra, na França ou na Holanda, são para um indígena como qualquer um no restante do mundo, homens sem autoridade.[30]

***


Those who have the supreme power of making laws in England, France, or Holland are, to an Indian, but like the rest of the world men without authority (no original).[31]


Levando suas proposições do âmbito social e legal para o político, o filósofo desafia a ordem estabelecida:


...lembrem-se de que os monarcas absolutos são apenas homens.[32]


***


...remember that absolute monarchs are but men (no original).[33]


As notícias que chegavam à Inglaterra sobre as sociedades indígenas da América pareceram a Locke descrições do paraíso. Cerca de meio século depois, ao se referir à chegada dos espanhóis na terra dos Caraíbas, região onde hoje se localiza a Venezuela, Rousseau lamentou que a condição paradisíaca da América se manteve até os nativos serem escravizados pela civilização europeia.[34]


III. A alegoria nas artes visuais: Denis Diderot


Naquele discurso que enaltecia o passado por uma nova visão do presente, e que tinha o objetivo simultâneo de instruir e entreter, vejamos como o Brasil e os nativos que aqui viviam possibilitaram o encontro com um mundo novo. Ademais, os europeus transformaram o mito da felicidade e da comunhão com a natureza em teoria que comoveu corações e elevou a imaginação a voos nunca empreendidos. No meio da beleza desses sentimentos, o alvoroço da cobiça e da conquista.


A gravura de página dupla (Imagem 2) representa uma tribo indígena brasileira do século XVI. Ela faz parte da publicação cujo título já é revelador: A exibição da suntuosa ordem de brincadeiras espetaculares e de magníficos vestidos de teatro: exibidos pelos cidadãos da cidade metropolitana de Rouen, no país da Normandia, à sagrada Majestade do Muito Cristão Rei de França (tradução nossa).[35]


O livro de Hoy & Gord analisa os elementos constantes da Entrada Triunfal do rei Henrique II (1519-1559) em Rouen, no ano de 1550. Homenagem encenada, por isso teatral, dos chefes citadinos e de “homens de negócios” em honra à figura real, com o fim de convencer o rei acerca das vantagens em promover uma expedição de colonização na “France Antarctique”[36].


Os festejos obtiveram bons resultados, pois, no ano seguinte, Henrique II enviou um de seus cartógrafos para explorar essa região do litoral da América e, em 1555, Nicolau Durant de Villegaignon (1510-1571) dirigiu-se ao litoral brasileiro liderando uma esquadra que aportou na Baía de Guanabara, localizada onde hoje está o litoral do Rio de Janeiro.[37]


Fundamentados no anterior raciocínio de Certeau, negociações e acordos também existiram entre ameríndios e franceses, nesse caso, índios da Bahia – talvez Tupinambás.[38] Por isso, os principais personagens da peça teatral de Rouen não eram prisioneiros, mas cinquenta índios das tribos aliadas dos franceses que concordaram em viajar para a Europa com comerciantes de pau-brasil.[39]


Imagem 2

Robert le Hoy & Jean du Gord, Figure des Brifilians [Figura de brasileiros], gravura, 20,8 x 15,5 cm, 1551. Rouen-França. Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, BBM Digital, USP. 2023.


Nesse viés, a gravura dos “brifilians” revela que a alegoria não se manteve fiel apenas à estupefação filosófica, pois, nas artes visuais, a alegoria funcionou como a imagem de si projetada no outro, conforme observou o micro historiador italiano Carlo Ginzburg (1939-): “os selvagens índios – contra figura de nós mesmos, habitantes do mundo civilizado”[40]. O que alude à gravura de Hoy & Gord, como “alegoria de um lugar exótico”[41] – expressão de Umberto Eco (1932-2016).


Na gravura estão presentes uma flora exuberante, com destaque para as árvores. Na verdade, parece que tudo gira em torno do arvoredo. Em uma árvore o homem nu se pendura, lá no alto! Em outro elemento alegórico à árvore associado, ela se transforma em um longo tronco transportado por uma dupla de homens, igualmente nus, ou se volve em rústicas cabanas, cercas e canoas, exemplos de uma primitiva alteração da natureza e da demarcação de territórios; no centro, há outra árvore que virou motivo para reunião de gentios que, à sua volta, dançam de mãos dadas; próximos a eles, um casal se entrelaça em uma rede presa a mais duas árvores. São os costumes de povos nativos em seu ambiente natural.


Alinhado com as ideias dos filósofos e humanistas de então, será que o autor do desenho pretendeu mostrar que existiam outras formas de organização social?


O tipo de sociedade apresentada pela gravura não tinha o caráter exploratório esperado pelos europeus, mas outras estruturas internas, voltadas apenas para o trabalho mínimo necessário de colher o que a natureza provê e passar o maior tempo possível em entretenimentos, festejos, convivência ritualística e relações amorosas.


Nota-se uma perspectiva em aberto. Hoje, autores como o antropólogo norte-americano David Graeber (1961-2020) e o arqueólogo britânico David Wengrow (1972-) apresentam essa possível interpretação sobre o que os índios, de fato, queriam demonstrar: uma crítica da sociedade europeia, que consideravam “irracional” por ser movida pela coerção do poder.[42]


Nas semelhanças encontradas entre a alegoria utilizada pelos filósofos e a alegoria como expressão da arte visual, um personagem do século XVIII, Denis Diderot (1713-1784), soube como poucos dissertar a respeito de ambos em suas observações sobre as obras de arte expostas nos Salões de Paris. Entre seus apontamentos, será que o filósofo e crítico de arte francês referiu-se à gravura dos “brifilians” quando defendeu a utilização da alegoria em alguns tipos de obras de arte?


Bem provável. Eis o extrato da fonte, retirado do livro que reúne suas críticas sobre diversas obras de arte que foram expostas nos Salões de Paris, Ensaios sobre a pintura (1766):


Se tentais a apoteose do grande Henri, inflamai-vos; ousai, lançai, esboçai, multiplicai tantas figuras alegóricas quanto vosso gênio fecundo e ardente fornecê-las [grifo nosso].[43]


***


Si vous tentez l’apotheóse du grand Henry exaltez vortre tête; osez, jettez, tracez, entassez tant figures allégoriques que votre génie fécond et chaud vous en fournira (no original).[44]


Observemos que, devido à ligação com a filosofia de seu tempo – a qual, por sua vez, bebia da fonte lockeana –, Diderot trouxe para o âmbito das artes visuais o objetivo de entreter e instruir por meio da metáfora, que ele vinculou à ideia de alegoria. A filosofia considera a alegoria um modo de interpretação com o intuito de descobrir ideias subentendidas, ou expressas de modo figurado. Análoga é a função da alegoria para a arte visual, pintura, desenho etc.: expressão figurada, não real, de um pensamento ou de um sentimento, pela qual um elemento pode significar outra coisa.[45]


Matheus Corassa da Silva e Ricardo da Costa definiram o conceito de alegoria e sua importância para o período moderno: “A utilização da alegoria (ἀλληγορία) como um recurso estético, literário e filosófico para explicar significados complexos, personificar e ressignificar abstrações e ter a função de reflexo de uma verdade transcendente é tão antiga quanto a própria História”.[46]


Diderot – o filósofo que se tornou um dos fundadores da crítica de arte – utilizou seus comentários às pinturas de Claude-Joseph Vernet (1714-1789) expostas nos Salões de Paris para embasar a defesa de que a obra de arte não pode ser apenas “pitoresca”, ou seja, realizada com a intenção de divertir, era necessário acrescentar um “sentido pedagógico moralizante”, alcançado por meio da alegoria.[47]


Em seus apontamentos a respeito da arte de seu tempo – fosse literatura, arquitetura, pintura etc. – Diderot analisou os artistas vinculados aos Estados e, em suas conclusões, encontrou o fundamento simbólico iconográfico da produção visual do poder. O que remete à antiga relação entre arte, filosofia e política analisada pelo historiador inglês Peter Burke (1937-), que considerou o pintor – o mesmo que expunha suas obras nos Salões de Paris, que Diderot comentava – tal qual um filósofo político, pois utilizou a imagem alegórica com o mesmo fim do filósofo: instruir e entreter.[48]


Outro historiador inglês analisou essa denominação que pesou sobre os artistas ligados aos Estados modernos. Quentin Skinner (1940-) se debruçou sobre o papel da arte como expressão visual da política ao analisar a iconografia do afresco intitulado Alegoria do bom governo, do pintor italiano Ambrogio Lorenzetti (1290-1348). Skinner lembra que os filósofos contemporâneos de Ambrogio usavam “termos metafóricos” quando se referiam aos governos: a personificação de regimes bons e ruins, por exemplo, era comum.[49]


Basta nos atermos aos significados das figuras do afresco de Ambrogio, reproduzido a seguir (Imagem 3).


Imagem 3

Ambrogio Lorenzetti. Alegoria do Bom Governo, 296 x 1398 cm, afresco, 1338-1340. Sala dei Nove, Palazzo Pubblico, Siena - Itália.


Conforme observou o medievalista Ricardo da Costa, o quadro de Lorenzetti revela pelo uso da alegoria a personificação de vícios e de virtudes. No detalhe reproduzido a seguir, a Justiça está sentada no trono localizado no centro da imagem. Auxiliada pela Sabedoria (acima de sua cabeça, com um livro) e pelos anjos da justiça distributiva e da justiça commutativa, a Justiça pune os culpados (à esquerda da cena) e reparte os bens nesse mundo (à direita da cena).[50]


Imagem 4

Detalhe.


Produzidos nos mesmos período e país, os afrescos de Giotto e de Lorenzetti ressaltam as formas pelas quais a alegoria pode personificar ideias abstratas: como a estultícia, no caso de Giotto e as justiça e sabedoria, em Lorenzetti. Também pelo viés da alegoria, a gravura de Hoy & Gurd representou os personagens do Teatro de Rouen, verdadeiros indígenas que, apesar do frio da região, estavam seminus para serem fidedignos ao cenário incomum ali encenado.[51]


Como veremos a seguir, a alegoria ou a escolha do incomum indica uma maneira de burlar o controle das opiniões exercidas pelos poderosos e dirigir uma crítica ao tipo de sociedade em que o artista vivia.


IV. Cannibales brasileiros: Michel de Montaigne


Não é coincidência o fato de que, na mesma época que os índios começaram a ser levados para a Europa nas embarcações de europeus que voltavam da América, Montaigne utilizou os exemplos de ameríndios para criticar a sua própria sociedade: a europeia. Ele analisou algumas características dos indígenas em sua obra publicada em 1580, Des Cannibales [Canibais] – sessão de seus Essais [Ensaios] – que, por força de sua originalidade, é comumente lido alheio à obra da qual faz parte.


Montaigne “aqui e ali” confrontou a doce vida dos primitivos da América “diante dos constrangimentos da civilidade”.[52] Para ele, os europeus espalharam o conhecimento de vícios entre a sua vizinhança, pois são mestres maiores do que os “bárbaros brasileiros” em questão de malícia – sua observação a respeito do “selvagem” na verdade, revela as mazelas da sociedade europeia.[53]


Embora Montaigne demonstrasse a oposição entre a nature (naturalidade) dos indígenas e o coustume (artifício) dos europeus, a defesa daqueles não deve soar como crítica total a esses, afinal, foi de acordo com a concepção europeia que Montaigne qualificou os índios. Ginzburg acrescenta que “O esforço de Montaigne para compreender os indígenas brasileiros era alimentado pela atração por aquilo que era bizarro, remoto e exótico”[54], aquilo que se estranha, que não se encaixa aos padrões culturais do branco/cristão/europeu.

Os índios de Rouen como exemplo do bizarro, remoto e exótico. Os monstros – meio humanos, meio animais – que nasceram no imaginário europeu da Idade Média, persistiram na mentalidade do europeu da modernidade e se tornaram bem reais nas “populações de costumes selvagens” que os navegadores começaram a descrever em suas sagas.[55] Montaigne assinalou que os europeus ainda insistiam em considerar como bárbaros aqueles cujos costumes não conheciam ou discordavam, hábito preconceituoso que remontava, segundo o humanista, aos greco-romanos da Antiguidade.[56]


Movido pela curiosidade que os povos da América incentivaram nos europeus, Montaigne acumulou certa quantidade de apetrechos exóticos trazidos pelos navegadores. Ele afirmou que, entre os objetos indígenas reunidos em sua casa, havia


...des grandes cannes ouvertes par un bout, par le son desquelles ils soutiennent la cadence en leur danse.[57]


***


...grandes bengalas abertas em uma extremidade, pelo som da qual eles imprimem a cadência em sua dança (tradução nossa).


Sua observação nos remete à “figure des brifilians” e suas danças entre frondosas árvores.

O humanista francês seguiu um costume que se disseminou nas classes mais abastadas da Europa, hábito que originou os posteriores museus de história natural: a formação do que conhecemos como “gabinetes de curiosidades”, um cômodo da própria moradia ou um tipo de escrivaninha, no qual eram dispostos objetos diversos e animais empalhados de modo a ficarem bem visíveis a um seleto público constituído pelo ciclo de amizades do dono da coleção.[58]


A Imagem 5 ilustra um dos melhores exemplos dessas remotas coleções, trata-se da representação do interior do gabinete de curiosidades de Ole Worm (1588-1654), médico, professor e polímata dinamarquês, ela é o frontispício do catálogo de sua coleção, publicado postumamente, em 1655, e intitulado como Museum Wormianum.[59]


Imagem 5

Imagem do interior do gabinete de curiosidades de Ole Worm. Frontispício do catálogo Museum Wormianum, 1655. Museu Nacional de Melbourne - Austrália.


Além desses objetos colecionáveis, os povos nativos que habitavam outros continentes, como a América, foram motivo de intensa curiosidade e, sobretudo, de questionamentos. O continente americano era terra de riquezas naturais inéditas e povoado por sociedades imersas no meio natural que, muitas vezes, influenciaram os “civilizados” europeus com seus hábitos.[60]


Outras vezes, os ameríndios viram-se como motivo de certa incredulidade e arguidos sobre questões que, na verdade, não tinham importância alguma para eles: coisas do “homme civilisé”[61] – expressão de Norbert Elias (1897-1990) –, segundo “certas noções de ordem, constância e exatidão que no europeu formam como uma segunda natureza e parecem requisitos fundamentais da existência social e civil”[62], mas que nada significavam para os índios.


Enquanto os europeus disseminavam a ideia de que o topo da civilidade era a Europa, aos olhos dos nativos americanos, primitivos eram os europeus.


A presença de índios brasileiros na Europa rompeu algumas barreiras da alteridade europeia e impôs, sem querer, novos limites às relações dos europeus com outros povos.[63] Do Teatro de Rouen à realidade onde o encontro de diferentes culturas não foi tão coordenado ou bem dirigido como em uma peça teatral. Nem mesmo compreendido, como releva Montaigne no final de seu ensaio sobre os habitantes do Brasil ao contar duas observações – talvez fictícias – de alguns indígenas em relação à sociedade francesa.


Na primeira parte, observa-se uma crítica à submissão ao soberano:


Ils dirent qu’ils trouvaient em premier lieu étrange que tant de grands hommes portanto barbe, forts et armés, qui étaient autor du roi [il est vraisemblable qu’ils parlaient des Suisses de as garde] se soumissent à obéir à um enfant, et qu’on ne choisissait plutôt quelqu’un d’entre eux pour commander.[64]


***


Eles disseram que acharam no início muito estranho que tantos grandes homens barbudos, fortes e armados, que estavam ao redor do rei [é provável que estivessem falando dos Suíços de sua guarda] se submetiam a obedecer a uma criança, ao invés de escolher alguém entre eles para comandar (tradução nossa).


Os povos americanos, ao contrário, não renunciavam ao poder do indivíduo e não permitiam que ninguém o açambarcasse em benefício próprio. Qualquer concessão para um grupo estar sob ordens de alguém era sempre transitória, com o fim somente de unificar procedimentos de caça, trabalho em grupo, guerra ou ritual.[65]


Ginzburg desabafou que as últimas palavras de Montaigne a respeito do perplexo grupo de indígenas brasileiros “não param de nos ferir”[66], pois revelam quão insensata é a sociedade civilizada, visto que, para um nativo da América, o indivíduo livre era um igual, não sendo possível a sua subordinação por outrem:



Secondement [...] qu’ils avaient aperçu qu’il y avait permi nous des hommes pleins et gorgés de toutes sortes de commodités, et que leurs moitiés mendiants à leurs portes, décharnes de faim et de pauvreté; et trouvaient étrange comme ces moitiés ici nécessiteuses, pouvaient souffrir une telle Injustice, qu’ils ne prissent les autres à la gorge, ou missent le feu à leurs maisons.[67]


***


Em segundo lugar [...] eles notaram que havia entre nós homens cheios e fartos de todos os tipos de comodidades, e que a outra metade eram mendigos em suas portas, magros de fome e de pobreza; e estranhou como essas metades aqui necessitadas puderam sofrer tamanha injustiça, que eles não peguem os outros pela garganta ou ateiem fogo em suas casas (tradução nossa).


Cerca de dois séculos depois, Jean-Jacques Rousseau usará a ideia dessa passagem do Ensaio de Montaigne para finalizar a publicação de seu segundo maior sucesso, o Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, publicado e premiado em 1755. Para Rousseau, a desigualdade entre os povos civilizados


...é manifestamente contra a lei da natureza, como quer que seja definida, que uma criança comande um ancião, que um imbecil conduza um homem sábio e que um punhado de gente transborde de superfluidades enquanto a multidão esfaimada carece do necessário.[68]


***


...puisquʼil est manifestement contre la loi de nature, de quelque maniere quʼon la définisse, quʼun enfant commande à un vieillard, quʼun imbécile conduise un homme sage, & quʼune poignée de gens regorge de superfluités, tandis que la multitude affamée manque du nécessaire (no original).[69]


V. O bom selvagem e a América: Jean-Jacques Rousseau


Observamos na gravura de Hoy & Gord a demarcação primitiva de territórios, a importância das danças e a inocente licenciosidade dos gentios. Esses foram temas recorrentes nos meios artísticos e, sobretudo, intelectuais da Europa, séculos antes das produções filosófico-políticas de Jean-Jacques Rousseau.


Nesse aspecto observa-se o paralelo entre Locke e Rousseau. O pensamento lockeano se tornou um dos principais fundamentos teóricos para os filósofos do século XVIII que se opunham tanto ao poder político abusivo quanto aos vícios da sociedade civilizada europeia. Rousseau, o mais destacado entre eles, cita Locke nominalmente diversas vezes.[70]


Como a América já era conhecida desde a época de Locke, Rousseau utilizou esse mundo tão diverso do europeu para criar sua própria concepção a respeito da origem das sociedades e, sobretudo, das desigualdades. Rousseau até desejou vir para a América:


Cem vezes me veio ao espírito propor o meu transporte para a América, esperando que aí me deixariam tranquilo [...] mas, enfim, eu teria feito de bom grado a tentativa, se nós estivéssemos mais em condições, minha mulher e eu, de suportar a viagem e os ares.[71]


No Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, as exortações de Rousseau se voltaram à defesa de um tempo anterior ao da humanidade em sociedade, no qual prevaleceram indivíduos intrinsecamente ligados à natureza e, por isso, mais felizes.[72] O distanciamento do mundo natural foi uma das causas das desigualdades e dos vícios da sociedade, logo, era necessário o retorno a uma ligação mais estreita com a natureza para reencontrar a felicidade perdida em meio aos rigores e imposições da sociedade civilizada.


A vida do filósofo na ocasião da escrita desse Discurso denota o conteúdo da obra: após a publicação de seu primeiro grande sucesso, o Discurso sobre as Ciências e as Artes (publicado e premiado em 1750), Rousseau ficou gravemente doente, quase desenganado pelos médicos. Então, mudou-se da agitada Paris para o campo. Caminhando solitariamente nos campos de Saint-Germain ele recuperou a saúde e se inspirou para encontrar a origem dos “males que atingiam o homem civilizado”.[73]


Da mesma forma que utilizou algumas ideias de Locke para embasar seu pensamento, Rousseau encontrou na crítica a outro filósofo inglês, Thomas Hobbes (1588-1679), os pontos a partir dos quais fundamentou sua concepção da bondade original dos seres humanos:


Não vamos concluir de forma alguma com Hobbes que, por não ter nenhuma ideia de bondade, o homem seja naturalmente mau, que ele é pervertido porque não conhece a virtude, que ele sempre recusa a seus semelhantes préstimos que não crê lhes dever, nem que, em virtude do direito que ele se atribui com razão sobre as coisas de que necessita, ele se crê loucamente o único proprietário de todo o Universo. Hobbes viu muito bem a falha de todas as definições modernas do direito natural, mas as consequências que ele tira da sua mostram que ele a toma num sentido que não é menos falso.[74]


***


Nʼallons pas sur-tout conclure avec Hobbes, que pour nʼavoir aucune idée de la bonté, lʼhomme soit naturellement méchant; quʼil soit vicieux parce quʼil ne connoît pas la vertu; quʼil refuse toujours à ses semblables des services quʼil ne croit pas leur devoir, ni quʼen vertu du Jean-Jacques Rousseau, droit quʼil sʼattribue avec raison aux choses dont il a besoin, il sʼimagine follement être le seul propriétaire de tout lʼunivers. Hobbes a tres-bien vu le défaut de toutes les définitions modernes du droit naturel: mais les conséquences quʼil tire de la sienne montrent quʼil la prend dans un sens qui nʼest pas moins faux (no original).[75]


É um Rousseau tateando, meio incerto, para produzir outra maneira de pensar e estruturar a sua formulação de um modelo que demonstrasse a passagem brusca e uníssona da humanidade de uma fase de caçador-coletor para o da agricultura. Entre as “conjecturas”[76] às quais se entregou – como ele próprio admitiu –, o mito que imaginou e a utopia que criou.[77]


Rousseau foi a síntese de séculos durante os quais os selvagens de terras inóspitas imaginados pelos medievais se tornaram realidade na pele brejeira dos ameríndios, visto que o filósofo afirmou que a América era a única região conhecida que ainda possuía pessoas que viviam no “estado de natureza”.


Rousseau se refere nominalmente aos índios Caraíbas que habitavam o norte da América do Sul e as ilhas do sul do Mar do Caribe para contrapor a vida simples e tranquila desses em comparação com a rotina dos europeus:


Os caraíbas da Venezuela, entre outros vivem sob esse aspecto na mais profunda segurança e sem o menor inconveniente [...] Que espetáculo para um caraíba os trabalhos penosos e invejados de um ministro europeu![78]


***

Les Caraïbes de Venezuela vivent entrʼautres, à cet égard, dans la plus profonde sécurité & sans le moindre inconveniente [...] Quel spectacle pour un Caraïbe, que les travaux pénibles & enviés dʼun Ministre Européen! (no original)[79]


Conclusão


Ainda no século XVI, o nativo americano, inclui-se o brasileiro, converteu-se em imagem viva de um mundo diferente daquele que o europeu estava acostumado - o universo civilizado com suas restrições, disputas e labores, tudo isso para ter acesso ao conforto e, porventura, ao luxo. Como o habitante nu do Brasil era alheio a tudo isso, virou modelo de preocupações éticas, como vimos nas exortações de Montaigne.[80]


No século XVII, a América portuguesa e os índios que nela viviam foram alvo dos filósofos e suas utopias de um mundo simples, no qual acreditavam prevalecer a felicidade e a comunhão social. Como resultado de tantas opiniões, o século XVIII transformou as reflexões do século XVI e as filosofias do XVII em doutrina política revolucionária, tendo Rousseau como seu maior expoente.[81]


Na medida que as viagens dos europeus para outras partes do mundo continuavam a avançar, na mesma proporção que as conquistas de novas terras, Rousseau propôs, pelo menos, um olhar diferente sobre a diversidade que o mundo natural e humano comporta. O filósofo fez uma proposta, para quem desejava


...instruir seus compatriotas, observando e descrevendo [...] o Brasil, enfim, as Caraíbas, a Flórida e todas as regiões selvagens [...] de volta dessas jornadas memoráveis, fizessem depois, se dando todo o tempo necessário, a história natural, moral e política do que viram, veríamos por nossa vez sair um mundo da pena deles e aprenderíamos assim a conhecer o nosso.[82]


***


...instruire leurs compatriotes, observant & décrivant [...] le Brésil, enfin les Caraïbes, la Floride & toutes les contrées sauvages [...] de retour de ces courses mémorables, fissent ensuite à loisir lʼhistoire naturelle, morale & politique de ce quʼils auroient vu, nous verrions nous-mêmes sortir un monde nouveau de dessous leur plume, & nous apprendrions ainsi à connoître le nôtre [no original].[83]


Rousseau sugere que aceitemos historicamente todas as formas que diferentes sociedades do passado e do presente aproveitam suas chances particulares para habitar o mundo e perpetuar a espécie humana.[84] Nas páginas finais de seu Discurso sobre a desigualdade entre os homens, ele ressalta:


Nesta lenta sucessão das coisas, uma infinidade de problemas de moral e de política que os filósofos não podem resolver.[85]


***


Cʼest dans cette lente succession des choses quʼil verra la solution dʼune infinité de problemes de morale & de politique que les philosophes ne peuvent résoudre [no original].[86]


Montaigne, Locke e Rousseau demonstraram que os habitantes do Novo Mundo, como os “brifilians”, serviram como exemplos reais de outros formatos sociopolíticos, bem diferente daquele existente no já desgastado Velho Mundo.


***


Fontes


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[1] FINLEY, Moses. Esclavitud antigua e ideologia moderna. Barcelona: Editorial Crítica, 1982, p. 151. [2] CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis-RJ: Vozes, 2014, p. 38-43. [3] ELIAS, Norbert. O processo civilizador: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. V. 1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994, p. 72. [4] ESTULTO. Dicionário online de sinônimos. 2022. [5] FRANCO Jr., Hilário. As utopias medievais. São Paulo: Brasiliense, 2001, p. 110. [6] Cf. DANTAS, Bárbara. “Nicolas-Antoine Taunay (1755-1830) e o Revival Renascentista na França”. In: Revista Vozes dos Vales, ano XI, n. 22, Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri - UFVJM, Minas Gerais, 2022, p. 9. [7] FRANCO JR., Hilário. As utopias medievais, op. cit., p. 67-182. [8] DAVIS, David Brion. O problema da escravidão na cultura ocidental. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2001, p. 59-62. [9] FRANCO JR., Hilário. As utopias medievais, op. cit., p. 17-39. [10] FRANCO, Afonso Arinos de Melo. O índio brasileiro e a Revolução Francesa: as origens brasileiras da teoria da bondade natural. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000, p. 40-41. [11] FRANCO, Afonso Arinos de Melo. O índio brasileiro e a Revolução Francesa, op. cit., p. 31. [12] RUSSEL-WOOD, John. Histórias do Atlântico português. São Paulo: Editora UNESP, 2014, p. 105. [13] HESPANHA, António Manuel. “Antigo regime nos trópicos? Um debate sobre o modelo político do império colonial português”. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima. Na trama das redes: política e negócios no Império português (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 50. [14] ELTIS, David. “Migração e estratégia na história global”. In: FLORENTINO, Manolo; MACHADO, Cacilda (org.). Ensaios sobre a escravidão (1). Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2003, p. 16. [15] RUSSEL-WOOD, John. Histórias do Atlântico português, op. cit., p. 102. [16] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Brasília: Editora da UNB, 1963, p. 42. [17] CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano, op. cit., p. 39. [18] FRANCO, Afonso Arinos de Melo. O índio brasileiro e a Revolução Francesa, op. cit., p. 81. [19] LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil e outros escritos. Petrópolis-RJ: Vozes, 1994, p. 223. [20] Id. Two treatises of government. In: HAY, Rod. The Works of John Locke. Vol. V. Londres: McMaster University Archive of the History of Economic Thought, 1823, p. 205. Website da Universidade de York-Inglaterra. 2023. [21] DURANT, Will. Nossa Herança Clássica: uma História do governo, indústria, costumes, moral, religião, filosofia, ciência, literatura e arte da Grécia, dos tempos mais remotos até a conquista pelos romanos. Rio de Janeiro: Record, 1995, p. 48-49. [22] BULFINCH, Thomas. O livro de Ouro da Mitologia. Rio de Janeiro: Harper Collins, 2018, p. 246-249. [23] DURANT, Will. Nossa Herança Clássica, op. cit., p. 48-49. [24] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. E-book. São Paulo: Ridengo Castigat Mores, s/d, p. 153. Website da Universidade de São Paulo. 2023. [25] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Du Contrat Social. In: Collection complète des oeuvres, Genebra-Suíça, 1780-1789, v. 1, n. 4, 2012, p. 72. Website Rousseau online. [26] FRANCO, Afonso Arinos de Melo. O índio brasileiro e a Revolução Francesa, op. cit., p. 30. [27] LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo e outros escritos, op. cit., p. 104/106. [28] Ibid., p. 83. [29] Id. Two treatises of government, op. cit., p. 106. [30] LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo e outros escritos, op. cit., p. 86. [31] Id. Two treatises of government, op. cit., p. 109. [32] Id. Segundo Tratado sobre o Governo e outros escritos, op. cit., p. 88. [33] Id. Two treatises of government, op. cit., p. 110. [34] ROUSSEAU, Jean-Jacques. A origem da desigualdade entre os homens. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2017, p. 104. [35] GORD, Jean du; HOY, Robert le. C'est la deduction du sumptueux ordre plaisantz spectacles et magnifiques theatres dresses: et exhibes par les citoiens de Rouen ville Metropolitaine du pays de Normandie, a la sacree Maiesté du Treschristian Roy de Franc. Rouen - França, 1551, p. 8/86-87. Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, BBM Digital, USP. 2023. Cf. LAGO, Pedro Corrêa do. Brasiliana Itaú. Rio de Janeiro: Capivara, 2014, p. 111. [36] MONTAIGNE, Michel. Des cannibales. Paris: Gallimard, 2008, p. 11. [37] BARRÉ, Nicolas. “Lettres sur la navegation du Chevalier de Villegaignon”. In: Ternaux-Compans, Henry. Archives de voyages ou collection d’anciennes relations inédites ou très rares de lettres, mémoires, itinéraires et autres documents. Paris: Arthur Bertrand, Libraire-Éditeur, s/d, tomo 1, p. 102-112, apud FRANÇA, Jean Marcel Carvalho. Visões do Rio de Janeiro colonial: antologia de textos (1531-1800). Rio de Janeiro: José Olympio, 2008, p. 20. [38] FRANCO, Afonso Arinos de Melo. O índio brasileiro e a Revolução Francesa, op. cit., p. 88. [39] LAGO, Pedro Corrêa do. Brasiliana Itaú, op. cit., p. 111. [40] GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 95. [41] ECO, Umberto. História da Beleza. São Paulo: Record, 2010, p. 142. [42] GRAEBER, David; WENGROW, David. O despertar de tudo: uma nova história da humanidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2022. [43] DIDEROT, Denis. Ensaios sobre a pintura. Campinas-SP: Editora da Unicamp, 2013, p. 106. [44] Id. Essais sur la peinture. Paris: Buisson, 1795, p. 109. Gallica - Website da Biblioteca Nacional da França. 2009. [45] CEIA, Carlos. Alegoria. E-Dicionário de termos literários. 2009. [46] COSTA, Ricardo da; SILVA, Matheus Corassa da. “A Alegoria. Do Mundo Clássico ao Barroco”. In: OSWALDO IBARRA, César; LÉRTORA MENDONZA, Celina (coords.). XVIII Congreso Latinoamericano de Filosofía Medieval – Respondiendo a los Retos del Siglo XXI desde la Filosofía Medieval. Actas. Buenos Aires: Ediciones RLFM, 2021, p. 87-96. [47] ALVIM, Pedro de Andrade. Os Salões de Arte e o surgimento da cultura de massa nos séculos XVIII e XIX. Anais do 160 Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes Plásticas, Dinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais, Florianópolis, 2007, p. 487-486. [48] BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru-SP: EDUSC, 2004, p. 75. [49] SKINNER, Quentin. Ambrogio Lorenzetti: the artist as political philosopher. Proceeding of British Academy, n. 72, Londres, 1986, p. 23. [50] Cf. COSTA, Ricardo. Um espelho de príncipes artístico e profano: A representação das virtudes do Bom Governo e os vícios do Mau Governo nos afrescos de Ambrogio Lorenzetti (c.1290-1348) - análise iconográfica. In: Utopía y Praxis Latinoamericana. Revista Internacional de Filosofìa Iberoamericana y Teoría Social. Maracaibo (Venezuela), n. 23, v. 8, Universidad del Zulia, octubre de 2003, p. 55-71. [51] CORRÊA, Mônica Cristina. “Os bons selvagens fascinam os franceses.” In: Revista História Viva, Rio de Janeiro, dez. 2004, p. 85. [52] GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros, op. cit., p. 53-55. [53] MONTAIGNE, Michel. Des cannibales, op. cit., p. 23. [54] GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros, op. cit., p. 54-55. [55] ECO, Umberto. História da feiúra. São Paulo: Record, 2007, p. 125-127. [56] MONTAIGNE, Michel. Des cannibales, op. cit., p. 16. [57] Ibid., p. 21. [58] ANDRADE, Renan; DANTAS, Bárbara. Projeto Museu na Escola: sabia que você tem um museu? Museu de Arte do Espírito Santo-MAES. Vitória, 2012. [59] MELHUISH, Fiona. A cabinet of curiosities: Ole Worm’s ‘Museum Wormianum’ (1655). Website do Museu Nacional de Melbourne - Austrália. 2023. [60] FREYRE, Gilberto. Modos de homem & modas de mulher. São Paulo: Global, 2009, p. 68. [61] ELIAS, Norbert. O processo civilizador. V. 1, op. cit., p. 59. [62] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil, op. cit., p. 24. [63] FRANCO, Afonso Arinos de Melo. O índio brasileiro e a Revolução Francesa, op. cit., p. 46. [64] MONTAIGNE, Michel. Des cannibales, op. cit., p. 31-32. [65] GRAEBER, David; WENGROW, David. O despertar de tudo, op. cit. [66] GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros, op. cit., p. 78. [67] MONTAIGNE, Michel. Des cannibales, op. cit., p. 31-32. [68] ROUSSEAU, Jean-Jacques. A origem da desigualdade entre os homens, op. cit., p. 105-106. [69] Id. Discours sur l'origine et les fondemens de l'inégalité parmi les hommes. In: Collection complète des oeuvres, Genebra-Suíça, 1780-1789, vol. 1, n. 4, 2012, p. 53. Website Rousseau online. [70] Cf. Id. A origem da desigualdade entre os homens, op. cit., p. 78. [71] Apud FRANCO, Afonso Arinos de Melo. O índio brasileiro e a Revolução Francesa, op. cit., p. 272. [72] PEREIRA, Carlos Alberto. Notas sobre Rousseau. Website da Unicamp. 2001. [73] SOUZA, Agnes Cruz de. Rousseau: A arte da Filosofia, Literatura e Educação. Website da Unicamp. 2002. [74] ROUSSEAU, Jean-Jacques. A origem da desigualdade entre os homens, op. cit., p. 59. Cf. DANTAS, Bárbara. The thought of Thomas Hobbes and John Locke in Jean-Jacques Rousseau's Second Discourse. In: DANTAS, Bárbara; BARBOSA, Rodrigo Cesar. Legal Science Series: themes and crisis. E-BOOK 2. Legal System and Crisis Series. Vila Velha-ES: Balsamum, 2019, p. 117-127. [75] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discours sur l'origine et les fondemens de l'inégalité parmi les hommes, op. cit., p. 28-29. [76] Id. A origem da desigualdade entre os homens, op. cit., p. 22-23. [77] GUANZINI, Isabella. “Ideas of freedom: a Historic-Philosophical Journey through na ambivalent experience”. In: Limina, Theological perspectives from Graz, The Spectre of freedom, ano 2, v. 2, Universidade de Gras-Áustria, 2019, p. 73. [78] ROUSSEAU, Jean-Jacques. A origem da desigualdade entre os homens, op. cit., p. 41-104. [79] Id. Discours sur l'origine et les fondemens de l'inégalité parmi les hommes, op. cit., p. 19-53. [80] FRANCO, Afonso Arinos de Melo. O índio brasileiro e a Revolução Francesa, op. cit., p. 217. [81] Ibid., p. 223. [82] ROUSSEAU, Jean-Jacques. A origem da desigualdade entre os homens, op. cit., nota 8, p. 133. [83] Id. Discours sur l'origine et les fondemens de l'inégalité parmi les hommes, op. cit., nota 10, p. 73. [84] ARCO JR., Mauro Dela Bandera. “O olhar distanciado: o programa etnológico de Rousseau”. In: Discurso, Revista do Departamento de Filosofia da USP,v. 49, n. 2, São Paulo, 2019, p. 151. [85] ROUSSEAU, Jean-Jacques. A origem da desigualdade entre os homens, op. cit., p. 103. [86] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discours sur l'origine et les fondemens de l'inégalité parmi les hommes, op. cit., p. 52.


Luiz Cláudio Moisés RIBEIRO: Professor do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Coordenador do Laboratório de História Regional do Espírito Santo e Conexões Atlânticas (LACES/UFES/CNPq). E-mail: laces.ufes@gmail.com.



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